Las Murallas de Harar
O facto de por (apaixonado) compromisso familiar ler razoavelmente em espanhol tem as suas vantagens, não sendo a mais pequena o acesso a um mercado editorial com uma dimensão bastante superior ao mercado português. Daí que algumas vezes por ano algumas livrarias de’A Coruña recebam a minha prolongada visita, e o proveito de alguma que outra aquisição. E explicito: librerias Colón, Arenas e Nos, sendo a Libreria Colón, na Calle Real, um must.
Ora recentemente comprei lá este livro, escrito por uma canadiana, Camilla Gibb, antropóloga, e por isso com estadia prévia na cidade de Harar, Etiópia, que ela tão bem retrata. Cidade aonde chegaram Burton em 1855, e Rimbaud em 1880, este para contrair sífilis.
Hoje, a maioria dos romances são obrigados a possuir uma história fantástica, sinuosidades de argumento espantosas, e desfechos mirabolantes, para interessar o europeu ou americano que viaja de metro, ou vai de férias, ou que pretende não morrer de tédio no fim-de-semana, ou adormecer sim mas lentamente. Tem-se umas ideias interessantes para o "plot", faz-se um cursito de escrita criativa, e pumba, aí sai livro, directamente para o top ten.
"Las Murallas de Harar" parecem um pouco sofrer deste síndrome: a história de uma inglesa filha de hippies, abandonada às mão de um patriarca marroquino sufi, e que se torna uma devota muçulmana e que viaja até Harar, cidade santa muçulmana etíope, é... muita coisa. Narrativa que se cruza com o seu estar anos depois, integrada na comunidade muçulmana londrina, a ser enfermeira num hospital público. Tudo isto é descrito na 1ª pessoa, com uma paixão contida, adequadamente. O saber de base da escrita revela-se no estudo atento das relações entre classes, entre etnias, entre sexos, entre religiões. E a mais valia do livro: a protagonista é muçulmana, e muito. A sua vivência religiosa é maravilhosamente ilustrada, ainda mais com o sal do sufismo, essa quase heresia, a dar espessura ao pensamento da adolescente, loura, branca, mas devotamente a seguir uma Lei que chama sua, diariamente. E idem em Londres. E portanto também um livro que não se pára de ler até ao fim, este, embora termine um pouco em anticlímax, talvez porque no Reino Unido de hoje já não possam existir aventuras como as que a Etiópia viveu nos anos 70, 80... e até hoje.
"Soy una musulmana blanca criada en África, que ahora trabaja para el Servicio Nacional de Salud. Me hallo en algún lugar a mitad de camino entre lo que conocen y lo que temen, en algún sitio entre el pasado y un futuro que no es del todo el presente. Les traduzco los formularios antes de arrodillarme y tocar con la frente el mismo suelo que ellos. Linóleo, cemento, alfombra industrial. Cinco veces al día, dondequiera que estemos, por mucho que dudemos de nosotros mismos y del mundo que nos rodea."
Camilla Gibb tem tudo o que eu detesto num escritor: sucesso rápido, imensos artigos sobre e para, dezenas de entrevistas, prémios de "a melhor escritora jovem" etc. Mas gostei muito de ler este seu livro, "Las Murallas de Harar", ed. Alfaguara.
1 Comentário(s):
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