segunda-feira, outubro 01, 2007

Vem Comigo




Traduzir pertence ao campo das mais difíceis artes. Eis porque quando não gosto de um texto traduzido, porque não soa, porque não corre, porque não flui como deve ser, nunca sei de quem é a culpa.
Outra coisa é a tradução de um título.
“None To Accompany Me” é um romance de Nadine Gordimer de 1994. A escritora sul africana tinha recebido o Nobel 3 anos antes. Politicamente muito mais empenhada nas evoluções da sua terra do que o seu conterrâneo Coetzee, outro nobelizado, que entretanto já fugiu para Adelaide, Austrália e se naturalizou australiano, é este romance uma história de transição, de várias pessoas, casais ou não, num país em mudança. Mas mais ainda a história de uma transição na vida de uma mulher, Vera Stark, mulher de meia idade, branca mas activista do lado certo, e a sua progressão para um determinado caminho, solitário. Daí o título. Que em português, de estarrecer, a Texto transmutou em “Vem Comigo”, com a capa “lindinha” de duas mão dadas, cores opostas.
Este livro parece-me levemente autobiográfico, ou pelo menos não andará muito longe do “corpo mental” da autora, mulher que conheceu a prisão sob o apartheid, amiga de Mandela e de Mbeki, embora opositora firme da política HIV governamental. Mora onde sempre morou, em Joanesburgo, cidade violenta. Recentemente foi sequestrada, safou-se. Há algo parecido, premonitório também, neste livro.
O texto é nervoso, passeando entre a introspecção e os eventos e os ângulos das opções difíceis a que os personagens são submetidos. Tem uma escrita que salta, própria da autora. Não é um livro violento, mas há pessoas que morrem, claro. É a África do Sul, início anos 90. A terra, a pobreza, as cores que mudam. E a vida é mesmo assim, predominam os desencontros sobre os encontros. É um óptimo romance.
“None To Accompany Me” não é “Vem Comigo”.
O livro abre aliás com estas duas citações: de Proust “Nunca devemos ter medo de ir longe demais, pois a verdade encontra-se mais além.” E de Bashô: “Ninguém para me acompanhar neste caminho:/ Anoitecer no Outono”.
E termina assim: “Vera saiu para o azul de ébano mordente do ar de Inverno, como se mergulhasse no seu choque delicioso. Fechou a torneira com a satisfação de uma mulher uma realizar a tarefa de operário. Em vez de entrar logo no anexo, foi até ao jardim, correndo o fecho do blusão sobre o calor vivo. O frio cortava os lábios e pálpebras; cobria de geada a disposição das duas cadeiras e mesa; tudo despido. Nem uma folha nos membros suaves e lisos das árvores, nos arbustos como arame emaranhado; as frondes secas das palmeiras rígidas como os seus dedos. Um espesso rasto de gelo esmagado ao de leve, as estrelas cegavam-na quando atirou a cabeça bem para atrás; ficou ali sob o balanço do céu, de pés fixos, no eixo do mundo da noite. Vera passeou um pouco, durante algum tempo. E depois retomou o seu caminho, com a respiração a sair em fumo, uma assinatura que a precedia."

1 Comentário(s):

Anonymous Anónimo disse...

O meu comentário reporta-se ao livro de Nadine Gordimer, ou melhor, à autora, pois estive indecisa entre comprar esse livro e "A Arma da Casa", tendo optado por este último, cuja leitura aconselho vivamente.
Entretanto comprei "Faz-te à Vida" mas estou sensivelmente a meio e com dificuldade em prosseguir a leitura. Creio que o seu estilo, se lido durante algum tempo initerruptamente, se torna cansativo.

7:55 da tarde  

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