quarta-feira, dezembro 12, 2007

A Casa Grande de Romarigães


Para entrar neste livro, tido como obra-prima de mestre Aquilino Ribeiro, é preciso algum despojamento de expectativas. Hoje desaprendemos de ler livros assim. É esta prosa “antiga”, camiliana, espraiada por palavras e construções desusadas, regionalismos, inventos. Apesar de publicado em 1957. E é o grande trunfo de “A Casa Grande de Romarigães”. Crónica romanceada assim chamada pelo autor, e que o é. Três séculos de uma casa grande, apalaçada, como há muitas pelo Minho, esta em terras de Coura. Crónica que é como uma novela esticada, quase argumento televisivo, onde paixões, temores, loucuras e desagravos se sucedem, página após página. Moral da história existirá e é a casa, que cresce e se arruína ao som dos desvarios de senhorio. É Aquilino mestre na enunciação dos quereres e das paixões, pois por aqui se movem os seus artistas, sem parar. Análises profundas do humano, psicologismo estendido não se encontra, personagens desenhados em duas, três pinceladas. E as pedras, e as plantas e os animais por ali cantando, como cantante é a prosa deste senhor. Porque o melhor deste livro é - repete-se - o texto, as palavras em jogo, que não descansam.
“ - Há-de estar com fome – disse a mulher. – Eu vou buscar que comer. Faço-lhe uns ovos com fatias de cobro, quer? Cozeu-se ontem o pão. Vinho, mando por ele à taberna…
- Faça lá! Mas, olhe, ande-me depressa…
Rodou a mulher. Viu a um canto a corda de encarrar. Esteve um momento cisma que cisma. Pegou dela, meio sorridente; fez um laço; atirou-a à trave e subiu para uma arca.
A velha veio encontrar um espantalho com a língua de fora, as pernas a bater ainda uma na outra, com duas baquetas monstruosas no repelão da própria pancada.”

Outro bocado de texto aparece no início-início do romance e engloba a mais bonita (e conhecida) definição em português da floresta:

"Do pinhão, que um pé-de-vento arrancou ao dormitório da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou cair no solo, repetido o acto mil vezes, gerou-se a floresta.

Acudiram os pássaros, os insectos, os roedores de toda a ordem a povoá-la. No seu solo abrigado e gordo nasceram as ervas, cuja semente bóia nos céus ou espera à tez dos pousios a vez de germinar. De permeio desabrocharam cardos, que são a flor da amargura, e a abrótea, a diabelha, o esfondílio, flores humildes, por isso mesmo troféus de vitória. Vieram os lobos, os javalis, os zagais com os gados, a infinita criação rusticana. Faltava o senhor, meio fidalgo, meio patriarca, à moda do tempo.



Ora certa manhã de Outono..."

1 Comentário(s):

Anonymous MARCELO disse...

Acabei agora mesmo a empreitada a que me atirei ainda no Verão...

De facto uma obra espantosa.
Fui precisamente empurrado para a ler por aquela descrição da floresta.
AGORA VOU VISITAR A CASA!

MARCELO SILVA

3:19 da tarde  

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