terça-feira, abril 27, 2010

Senhora Oráculo

O Booker Prize não é o Nobel. Mas, enfim, como sabemos nem o Nobel garante.
Margaret Atwood é canadiana, nasceu em Ottawa e ganhou o Booker Prize. Neste livro, dos seus primeiros (1976) e não aquele que lhe deu o Booker,  carrega contra muitas coisas cruzando muitas histórias. Aqui e ali a piada vira-se um pouco contra a autora.
A protagonista do livro é uma rapariga com uma infância difícil e uma péssima relação com a mãe - descrição arquetípica de uma e outra coisa, parece, embora com uma cobrição de atipias qb. - que ao crescer ganha fama por duas vias, isto é criando dois personagens literários que o mundo não sabe que coincidem na mesma pessoa, a saber: uma poetisa espiritual, uma nova Khali Gibran, e uma autora de romances de cordel a la Corín Tellado. Uma vida pessoal complexa e cruzilhada com a malta da extrema-esquerda canadiana (sim, existiu...) - ó que contradição com qualquer dos dois personagens que escrevem, um deles em absoluto segredo...
Não lhe resta outra opção senão fugir, fugir, fugir, sendo Itália o destino óbvio após uma morte encenada. Sucesso?
Todas estas embrulhadas são também um pouco "cordelescas", so the joke goes round the world and ends... where? Lê-se muito bem é certo, mas o que acrescenta? Saber bem escrever é condição necessária mas nem sempre suficiente... e a auto-ironia nem sempre é partilhável - a autora também escreve poesia... Ah, também foi prémio Príncipe de Astúrias das letras!



"- Tens o corpo de uma deusa - costumava dizer o conde polaco, em momentos de paixão contemplativa. (Será que ele ensaiava?)
- E a cabeça, também? - perguntei uma vez, maliciosamente.
- Não brinques - persistiu ele. - Tens de acreditar em mim. Porque é que te recusas a acreditar na tua beleza?
  Mas a que deusa se referia ele? Havia mais do que uma, eu sabia. A das embalagens de lápis Venus, por exemplo, sem braços e com o corpo todo estalado. Algumas deusas não tinham corpo: havia uma no museu com três cabeças sobre uma coluna, como uma bomba de incêndio. Muitas tinham a forma de vasos, muitas outras a de pedras. Achava o elogio ambíguo.
  O conde polaco foi um acidente. Conheci-o quando caí de um autocarro de dois andares em Trafalgar Square. Felizmente não caí do andar de cima; já tinha um pé quase no chão, mas não estava habituada a que o autocarro arrancasse antes de as pessoas estarem fora, em segurança, e ele deu um solavanco, atirando-me para o passeio. O conde polaco ia a passar por acaso e ajudou-me a levantar."



"Segurança a que preço, meditava. Estava sentada na varanda, de roupa interior, a tomar um banho de sol no meio de sítio nenhum. O Além não era paraíso algum, era apenas um limbo. Agora é que eu percebia porque é que os mortos voltavam para observar os vivos: o  Além era chato. Não havia ninguém com quem falar e nada para fazer."

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