segunda-feira, outubro 19, 2009

O Cónego


A. M. Pires Cabral é dos maiores poetas portugueses vivos. De um reconhecimento progressivo e nunca desapontado pelas sucessivas recolhas de poesia que têm vindo a lume. Esta noção, começada na crítica de Joaquim Manuel Magalhães, é hoje consensual. A.M. Pires Cabral tem porém também publicado obra em prosa, bem menos comentada e assumida como património a reter.
Vem tudo isto a propósito de um pequeno romance publicado em 2007 nos Livros Cotovia e que dá pelo nome "O Cónego". É o nosso autor transmontano de Chacim, Macedo de Cavaleiros. Na sua poesia, o lugar, a terra, os montes, são presença marcante. Este romance trata também duma realidade muito rural portuguesa e transmontana, a do binómio entre um pároco e outra figura grada da freguesia, neste caso - a acrescentar aos costumes - um cónego retirado, e retirado porquê - por causa de amores. Relata em 1ª pessoa um novo padre - o que irá substituir o moribundo par desta dança - as várias versões que por mórbida curiosidade vai coligindo da vida desse Cónego que foi parceiro do dia-a-dia do velho padre da aldeia. Versões onde a verdade se cruza e perde e fica tremida. Zangas, paixões, coisas de gente mexida e antiga, descritas "à antiga"  pois assim ressoa a escrita de A. M. Pires Cabral, lembrando escritores que já morreram, Aquilino, Camilo, e não sei dizer se o faz de propósito pois é o 1º romance que lhe leio. É um mundo antigo que ganha cor nestas palavras, um mundo de castanhos e pretos e cinzentos, mas também um mundo de correntes subterrâneas às vezes difíceis de deter e represar.
Agora sumamente moderna esta conclusão:

"De forma que olho para as mãos cheias de fragmentos de verdade sem conseguir reuni-los num conglomerado em que a reconheça - a verdade pura e resplandescente, tal como ma ensinaram a amar. Não há que fugir: chego ao fim desta complexa história sem conhecer a verdade, por muito que a tenha procurado, por muita paciência, obstinação, perfídia e raciocínio que tenha investido na sua busca. Acho que posso portanto deduzir que a verdade não existe. Pura e simplesmente não existe. Se me perguntarem se existe, direi que não.
E, pelas mesmas razões, também direi que não existe a mentira. Direi que as duas são uma só e a mesma coisa, e que nenhuma é a contrapartida da outra, nem se excluem mutuamente. A contrapartida comum de ambas é a dúvida - a eterna, opressiva, vexatória e voracíssima dúvida."

E disse o Escritor.

Fazendo disto uma corrida à antiga portuguesa refira-se que este romance já foi traduzido para o italiano.

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