sábado, junho 12, 2010

A Noiva Judia

Conheço o Pedro Paixão desde os tempos do "Independente". Comprei ontem a "Noiva Judia", que é de 1992, e já está lido. São 26 curtos textos, nem contos são. O maior, que dá título à recolha, é sim um conto reconfigurado através de um conjunto de cartas que contam a história.
Pedro Paixão tem uma escrita fácil para quem a lê, na adesão e na solução de leitura. Não dá para enganar. Não sei se lhe é fácil a ele, nem me importa. A questão é que a assinatura sai sempre e, quando acerta, o que é frequente, a assinatura não cansa, dá sim o reconfortante sinal de reconhecimento. É esta a arte de Pedro Paixão, que ainda por cima chama-se assim, e invejo-lha. Mas fácil não quer dizer "curta" ou "plana" ou sem escolhos ou escolhas.
Vamos dar alguns exemplos:

"A minha vida


Quase gosto da vida que tenho. Não foi fácil habituar-me a mim. Tive de me desfazer das coisas mais preciosas, entre elas de ti. Sim, meu amor, tive de escolher um caminho mais fácil. O dinheiro também tem a sua poesia. E tenho tido sorte.
Deixei para trás a obrigação de mudar o mundo. Corrompi e fui corrompido. Ainda sinto dificuldades em mentir, mas também aqui vejo melhoras.Trata-se só de deformar ligeiramente o que vai acontecendo, não de inventar tudo de novo. Tenho mais alguns anos diante de mim e depois quero acabar de repente. Não sei se valeu a pena mas também não me pergunto se valeu a pena. Há coisas assim.
Não é desistir, é só não dar demasiada importâcia a coisas que não a têm. Esta vida é uma delas. Ganha em valor quando deixamos de a encarar como o centro de tudo. É só por acaso que gostamos das flores e do mar. Claro que é um bom acaso. Mais mais do que isso não."



"De repente pegou-se um grande fogo. Não nos preocupámos com as coisas que já estavam a arder. Nem com as que corriam perigo de vir a arder. Nem, claro, com as pessoas. A única coisa que valia a pena salvar era o fogo. Foi o que fizemos."



"Vou à janela e corro os os estores de finas ripas de madeira. Saio para a varanda. O silêncio e o calor oprimem-me o peito. Ouço muito forte o coração dentro de mim e depois um guincho de animal e um movimento do ar trazem-me de novo a mim. O que havia por resolver já foi resolvido e tudo o resto permanece insolúvel."



"Isto acontecia aos Domingos, claro, porque nos outros dias Jorge saía muito cedo. À tarde iriam dar um passeio de bicicleta ao longo dos canais fazendo levantar voo as gaivotas. Com sol seria ainda mais belo. Senão talvez pudessem ir ao cinema. Emmanuel gostava particularmente de filmes de ficção científica. Dizia que o faziam suportar melhor a realidade porque a mostravam só como um caso possível entre muitos outros."

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