Ébano - Febre Africana
Já vai em 3ª edição pela Campo das Letras este livro de pequenos episódios africanos de Riszard Kapuscinski. Nascido em 1932 na Polónia, este repórter anónimo foi-se tornando progressivamente uma referência internacional no jornalismo de reportagem, fazendo das insuficiências da sua agência noticiosa e da sua “neutralidade” polaca uma vantagem para que as portas e as gentes se abrissem à sua passagem. Por exemplo, no princípio dos anos 70 foi enviado para o Irão do Xá Reza Phalevi. Sem dinheiro e quase restrito ao apartamento em que vivia pelos recolheres obrigatórios e a agitação social, consta que escreveu praticamente todo um livro sobre o que os seus vizinhos e as pessoas que passavam lhe iam contando.
“Ébano – Febre Africana” é um conjunto de textos sobre a África que ele foi conhecendo, desde os anos 50 peri-descolonização, até hoje. Kapuscinski tem um aspecto bonacheirão e pacato, mas no terreno procurou sempre o caminho, o lado ou o bairro alternativos. Em cada episódio fala-se de pessoas, gente pequena mas que aqui é sempre tratada como única. Não há distância, não há filtros, não há escapatórias. Não há dramatismos, nem grandes planos, nem objectivas olho-de-peixe. Kapuscinski consegue, por ex., falar do drama do Ruanda com palavras simples e lineares, mostrando o horror sem horror manifesto. O ditadores fantásticos que a África já sofreu, e estão aqui uns quantos, são expostos sem apelo, mas também sem exclamação. África é muitos rios, e tudo o que acontece pertence e não é extranho às múltiplas águas. Mesmo o Ruanda, Idi Amin, etc. Na sua estadia em Lagos, decidiu ir viver para um bairro que lhe foi altamente desaconselhado. O seu apartamento, que não era fechado por impossibilidades óbvias de temperatura e de construção, era regularmente assaltado. As poucas amizades que fez explicaram-lhe que tal era uma forma de pertencer à comunidade, e que opor-se a essas ocorrências com fechaduras, etc., seria não só inútil como mal-visto, e a sua vida então correria perigo. Ao fim de algum tempo em que Kapuscinski foi conhecendo mais gente, um dos seus amigos de bairro levou-o um dia a um mercado. Aí comprou-lhe umas penas de galo e mais uns acessórios e pendurou-os da porta de entrada. Os assaltos acabaram.
A fome, a violência, a morte semrazão, a pobreza infinita, são presença constante durante o livro, mas não provocam uma alteração do tom de voz. Se em África quase só há pobreza infinita, violência, etc., como relatar alterando sempre a voz? A palavra “riqueza” bem como outras, são redefinidas ao longo das páginas de”Ébano”.
Há anos que não lia um livro mais… “humano”. Como uma conversa à lareira, como uma parábola sem fim. Mas que não é uma parábola. As pessoas que residem nestas quatrocentas páginas têm nome, filhos, casa (nem todos…), trabalho (às vezes…), e (quando conseguem comer) ainda têm opiniões, esperanças, virtudes e defeitos. São mais pessoas do que eu.
1 Comentário(s):
Sabe onde posso adquirir esse livro? Gostaria muito de o ler. Obrigada
Margarida - guidabaiao@hotmail.com
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