domingo, agosto 01, 2010

O Boxe

Joyce Carol Oates é uma instituição hoje na escrita americana. Escritora prolífica, frequente, extensa nos géneros mas predominantemente buscando a escrita tensa, a preversão escondida, a volta da esquina onde de súbito acontece, tem sido tão bem sucedida no romance como nos textos mais curtos.
Surpreendeu - ou talvez não - ao escrever o premiado longo ensaio "On Boxing", nos anos 80. Traduzido como "O Boxe" e publicado pelas Ed. 70 em 1990, logo três anos depois da edição original.
O texto vai dedicado "aos pugilistas".


     "Às vezes perguntam-me como posso eu gostar de um desporto tão brutal. Ou, propositadamente, não perguntam.
     E é demasiado complexo responder. De qualquer forma, eu não "gosto" de boxe no sentido habitual da palavra, e nunca gostei; o boxe não é invariavelmente "brutal"; e não o considero um desporto. Nem posso pensar o boxe, em termos literários, como uma metáfora de qualquer outra coisa. Não é verosímil que alguém cujo interesse tenha começado, como no meu caso, nos tempos de infância - influenciada pelo meu pai - entenda o boxe como símbolo de algo exterior a ele, como se a sua singularidade fosse iconográfica ou uma mera abreviação; posso sustentar a ideia de que a vida é uma metáfora do boxe - aqueles combates que se prolongam asaalto após assalto, directos, socos falhados, corpo-a-corpo, nada determinado e novamente a campainha e os adversários tão igualados que é impossível não perceber que o adversário somos nós: e porquê esta luta num estrado elevado, limitado por cordas, como num cercado, sob as luzes cruas, abrasadoras, impiedosas, na presença de uma multidão impaciente? - uma dessas metáforas literárias infernais?
     A vida é semelhante ao boxe em muitos aspectos inquietantes. Mas o boxe só se parece ao boxe."


Fui pelo livro fora à procura daquilo que a contra-capa chama "um olhar feminino" sobre o boxe e foi difícil. É, sim, um olhar algo exterior, como explicado acima. Mas extenso, penetrante, superlativo e que não perdoa. E manifestamente americano. Daí as citações de Mailer, Yeats, etc. E conhecedor. Sucedem-se as estórias, as anedotas, os nomes de campões e de vencidos. A ilustração é não só literária mas também fotográfica, pois acontecem aqui e ali fotografias a preto-e-branco lindíssimas que a edição não explica o que são, de onde vêm. E abundas as citações a preludiar cada texto. Como: "Tento acertar na ponta do nariz do meu adversário porque tento enfiar-lhe o osso no cérebro." Mike Tyson.
Talvez um olhar masculino nunca conseguisse ser exterior... e realmente há alguma reflexão sobre a masculinidade intrínseca do boxe und so weiter...


     "O velho adágio do boxe - um truísmo seguramente falso - que diz que não se pode ser posto em KO se se vê o golpe partir, e se a vontade própria é não sofrer knockout, tem o mais subtil e assutador dos significados: nada do que sucede ao pugilista dentro do ringue, incluindo a morte - a "sua" morte - é alheio à sua própria vontade. É a sugestão de um modelo universal em que somos humanamente responsáveis, não apenas pelos nossos actos, mas pelos realizados contra nós.
     (...)
     A mais difícil tarefa de um treinador de boxe é, supostamente, a de persuadir um jovem pugilista a levantar-se e continuar a lutar, depois de ter sido derrubado. E se o pugilista foi derrubado por um golpe que não viu - o que é geralmente o caso - como é que ele pode acreditar que conseguirá evitá-lo mais uma vez, e outra ainda? O golpe invisível é, no fim de contas - invisível."


Obviamente ultrapassa-me saber da factualidade e correcção do texto. Aqui um site sobre boxe gostou do livro. E aqui vemos como Joyce C Oates escreveu mais textos sobre boxe, com especial atenção ao fenómeno Tyson
Great text! Great writer!

PS.: o fotógrafo foi Jonh Ranard, e as fotografias podem ser vistas aqui. Que a capa da edição ponha Stallone a derrotar Lundgren no Rocky não-sei-quantos...

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