quarta-feira, maio 25, 2011

Tremendas Trivialidades

Gilbert Keith Chesterton, mais conhecido como G.K. Chesterton, é um escritor inglês do início do século XX, famoso primeiro pelas suas engenhosas histórias do Padre Brown, investigador e curioso personagem, e, por outro lado, como polígrafo e escritor de génio a escrever sobre... tudo e... nada. Foi chamado "the prince of paradox".
Este livrinho recolhe umas quantas crónicas e pequenas histórias de prosa cristalina e raciocínios estratosféricos. Graças ao projecto Gutemberg podemos lê-lo no inglês original online e até fazer o download.
Os seus textos chamam-se "Um pedaço de giz", "Os doze homens", "A torre" ou "Como conheci o presidente". Podiam e podem servir de modelo à prosa inspirada que adorariamos ler num fim-de-semana sob o formato de uma crónica alargada suficiente para nos ocupar quinze-vinte minutos e, pela extraordinária qualidade do dito e do como-dito, servir para regular a temperatura, aquecendo se frio, arrefecendo se, por ex., hoje. Infelizmente, hoje cá por Portugal poucos esboçam sequer algo parecido. Esclareço que Chesterton não é um humorista. Acaba por sê-lo, e tudo o mais. A catalogar como "Prosa Exemplar"!


"Antes de qualquer homem falar autoritariamente acerca do amor aos homens, insisto (insisto com violência) em que esse homem se deva sempre sentir encantado, quando o seu barbeiro tentar falar com ele. O seu barbeiro é a humanidade: ame-o por conseguinte. Se isto não lhe agradar, então não me mostrarei disposto a aceitar nenhum substituto com interesses pelo Congo ou pelo futuro do Japão. Se um homem não consegue amar o seu barbeiro, que já encontrou pessoalmente, como poderá amar japoneses que nunca viu?"


"Somente uma vez roubei um bolso, e foi - talvez por distracção minha - o meu próprio. O meu acto pode qualificar-se assim com alguma razão. Aconteceu que, ao tirar coisas do meu próprio bolso, senti pelo menos uma das emoções mais tensas e palpitantes que os ladrões podem sentir: tinha uma completa ignorância e uma profunda curiosidade em descobrir  o que lá encontraria. Talvez seja um elogio exagerado classificar-me de pulcro e cuidadoso. Não obstante, posso sempre, do modo mais satisfatório, dar conta exacta de tudo quanto me pertence. Posso sempre dizer onde estão e o que fiz com os meus pertences, desde que não os tenha enfiado nos bolsos. Se alguma vez alguma coisa deslizar para dentro desses abismos desconhecidos, aceno-lhe uma triste despedida virgiliana. Suponho que as coisas que deixei cair para dentro dos bolsos continuem lá; a mesma presunção aplica-se às coisas que deixei cair para dentro do mar. Todavia, considero com a mesma reverente ignorância as riquezas armazenadas em ambos os abismos sem fundo. Dizem que, no último dia, o mar devolverá os seus mortos; e eu suponho que, na mesma ocasião, longas fileiras de coisas extraordinárias sairão tumultuosamente dos meus bolsos. Já me esqueci, contudo, de que coisas são essas; e não haverá realmente nada (excepto dinheiro) que me surpreenderá por lá encontrar."


"Num certo dia, enquanto me preparava para deixar Londres e ir de férias, um amigo meu prestou-me uma visita no apartamento de Battersea, encontrando-me com meia bagagem feita.
- Pelos visto estás a preparar mais uma das tuas viagens - disse-me. - Aonde vais?
Com uma correia entre os dentes, repliquei:
- A Battersea.
- O engenho da tua resposta escapa-me por completo - disse-me.
- Vou a Battersea - repeti -, para Battersea via Paris, Belfort, Heidelberg e Frankfurt. A minha resposta não continha engenho nenhum. Continha simplesmente a verdade. Vou deambular pelo mundo inteiro até encontrar de novo Battersea. Algures nos mares do sol poente ou do sol nascente, algures no último arquipélago da terra, há uma pequena ilha que desejo encontrar: uma ilha com pequenas colinas verdes e grandes penhascos brancos.Os viajantes dizem-me que se chama Inglaterra (os viajantes escoceses dizem-me que se chama Grã-Bretanha), e rumoreja-se que algures no seu coração fica um lugar belíssimo a que chamam Battersea.
- Suponho que seja desnecessário dizer-te - disse o meu amigo com ar de compaixão intelectual - que estamos em Battersea.
- É absolutamente desnecessário - respondi-lhe -, e é espiritualmente uma falsidade. Não consigo aqui ver Battersea alguma; não consigo aqui ver Londres alguma nem nenhuma Inglaterra. Não consigo ver aquela porta. Não consigo ver aquela cadeira: porque uma nuvem de sono e hábito postou-se diante dos meus olhos. O único meio de volver a elas é ir a outro sítio; e essa é a verdadeira finalidade das viagens e o prazer autêntico das férias. Supões que vou a França para ver França?"

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