domingo, outubro 24, 2010

Portugal, Ensaios de História e de Política.

Este livro reúne textos de Vasco Pulido Valente (VPV) publicados em diferentes anos e suportes e sobre diferentes temas. A carga unificadora é o rectângulo Portugal e a política - má - que no rectângulo tem havido. Nem todos os textos são de igual interesse e profundidade de trato. Sublinho os sobre a "República Velha", os primeiros anos da República, sobre Salazar e Caetano, e um artigo fogoso sobre o "25 de Abril" datado de 2004.
VPV escreve bem, e pensa ainda melhor. Utiliza a adequada quantidade de "RR's" e põe os pontos em todos os iii's que vão aparecendo. A 1ª República não fica a ser a mesma depois de lermos VPV. Por contraste, a História sobre a 1ª República coordenada por Fernando Rosas resulta bem amorfa e acaba por não transmitir uma imagem global convincente e clara sobre o que foram aquela pouco mais que uma dúzia de anos (de pós-25 de Abril já levamos 36...).
Salazar também não sai bem parado desta leitura. Salazar personalidade do século? Better think again... Pelo contrário há algum carinho e compreensão por Caetano, um homem intelectualmente superior mas a quem o tempo e a herança recebida foram demasiado pesados.

Sobre o Maio de 1915:

"(...) No princípio de Maio os preparativos para a revolução eram quase públicos. Sem estar informada dos pormenores, Lisboa inteira sentia o que se passava. Os adeptos da ditadura esperavam, como eles diziam que "o trunfo fosse espadas". Mas, perante a apatia de Pimenta de Castro, em fins de Abril começaram a duvidar. A 11 de Maio Moreira de Almeida implorava em O Dia: "Vista a farda, Sr. General!". Aquele general, porém, não propendia para a violência. Ia haver um movimento revolucionário' "E depois?", desinteressava-se ele, com uma estranha visão do seui papel na política portuguesa: "Se houver, há. Dinheiro, não me apanham, e, se for para a cadeia, fui."
Parece que não lhe apanharam dinheiro. A 14 de Maio, a Marinha, a Guarda Fiscal, parte da Guarda Republicana, unidades dispersas de infantria e de artilharia e 15000 civis armados no Arsenal da Marinha, sublevaram-se contra a ditadura. A luta durou três dias. Morreram cerca de 200 pessoas e ficaram feridas cerca de 1000. O "14 de Maio" fez mais vítimas do que o "5 de Outubro", do que o "5 de Dezembro" (Sidónio Paes), do que as incursões e mesmo do que a Traulitânia. Os navios de guerra bombardearam as posições do governo em Lisboa, dois dias e duas noites. Nas primeiras vinte e quatro horas o exército resistiu, como não tinha resistido no "5 de Outubro", aos ataques de tropas regulares e ao fogo e às bombas dos civis. Finalmente, os carbonários aproveitaram para ajustar contas com a "reacção". De 14 a 19 de Maio, nenhuma autoridade existiu em Lisboa. A formiga branca pôde assassinar os seus inimigos (entre eles, duas dezenas de polícias), assaltar e saquear sedes de partidos, lojas e casas particulares (cujos donos não comungavam na sua espécie de patriotismo), "empastelar" jornais (O Dia e O Intrasigente de Machado Santos) e, geralmente, perseguir quem entendeu conveniente. O caos atingiu proporções tão inquietantes que alguns navios de guerra espanhóis, ingleses e franceses chegaram a entrar no Tejo com o propósito ostensivo de proteger os seus nacionais."

Sobre Spínola e o livro "Portugal e o Futuro":

"As citações não exageram, nem caricaturam. Revelam com exactidão a natureza da personagem: a simplicidade de espírito, a inépcia, a megalomania. Em 1974, Spínola não via o mundo pela "fresta" da Guiné, como julgava Marcello: confundia o mundo com a Guiné e tornava a sua antiga omnipotência de governador por um atributo pessoal. Estava para lá da razão. A parte estritamente política do livro não se percebe sem esta premissa essencial."

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