sábado, agosto 14, 2010

Deuses Americanos

Neil Gaiman é um criador de heróis improváveis, inverosímeis, criaturas serenas, eventualmente roçando o normal, mas afinal capazes da maior grandeza, enfrentando o abandono, tocando o divino. Assim "Sombra", o herói deste livro.
"Deuses Americanos" é, pensando bem, um mau romance. Mas é uma óptima história. E, se existe como novela gráfica, esta deve ser também excelente. O problema com Neil Gaiman aqui é tentar abarcar demasiada gente, no caso demasiados deuses, demasiada iconografia, tribos, lendas, sub-histórias, etc. Se para telenovela tinhamos aqui para uns cento e cinquenta capítulos. A América é o país dos deuses esquecidos. Século após século os emigrantes que vão preenchendo este Novo Mundo, desde os esquimós siberianos primitivos até aos escravos africanos, os irlandeses, os judeus, os russos, etc., vão trazendo os seus deuses e, posteriormente abandonando-os por outros, sempre outros. Acontece que os deuses, estes deuses também emigrados não desaparecem, ficam por ali, pelo continente americano, disfarçados, desconhecidos, lost in inaction. Por outro lado outros deuses vão sendo criados, estes os novos deuses Cidade, Mundo, Mídia, etc. A batalha está servida, mas há muito mais, que eu me dispenso de servir aqui à mesa.
Dizem que este livro roça Stephen King. Não conheço o mundo deste suficientemente bem para comentar. Como eu  sempre disse, Ortega y Gassett bem se referia ao "homem e a sua circunstância". Sombra vive circunstâncias excepcionais ao longo das longas páginas deste livro. E a todas responde admiravelmente. Só por isto, um livro a ler.

"- Conta-me lá o que te perturba - disse Sombra.
- Fiz o que ele disse. Fiz tudo como ele disse, mas dei-te a moeda errada. Não devia ter sido aquela moeda. Aquela é só prà realeza. Compreendes? Eu nem sequer devia ser capaz de a tirar. É a moeda quie se daria ao rei da América em pessoa, não a um zé-ninguém como tu ou eu. E agora estou metido num grande sarilho. Devolve-me a moeda, pá. Se o fizeres, nunca mais me verás, juro por tudo quanto é porra de sagrado, está bem? Juro pelos anos que passei na porra das árvores.
- Fizeste tudo o que disse quem, Sweeney?
- Grimnir. O tipo  a quem chamas Quarta-Feira. Sabes quem ele é? Quem ele realmente é?
- Sim, acho que sei.
Havia um brilho de pânico nos olhos azuis desvairados do irlandês.
- Não foi nada de mal. Nada que possas... nada de mal. Ele só me disse para estar lá no bar e provocar-te para uma luta. Queria ver de que massa eras feito.
- Disse-te mais alguma coisa?
Sweeney estremecia e contraía-se espasmodicamente. Primeiro, Sombra pensou que fosse do frio, depois lembrou-se de onde já vira aquele tipo de tremuras: fora na prisão. Aquilo eram os tremores de um drogado. Sweeney estava em plena crise de privação de alguma coisa e Sombra era capaz de apostar que se tratava de heroína. Um duende toxicodependente?"

P.S.: aqui está o acesso free online à versão em inglês.

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